Mais duas crianças nasceram com deformidades físicas por causa do uso incorreto da talidomida - ambas no Maranhão. Com esses casos, sobe para sete o número de vítimas no País desde 1997.
Os casos vieram à tona ao mesmo tempo em que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou resolução que torna a prescrição, a dispensação e o descarte da talidomida mais rigorosos.
O registro mais recente é o de uma menina que nasceu sem braços e com as pernas encurtadas em dezembro do ano passado, em uma cidadezinha chamada Cajari. A menina é a sexta filha de uma dona de casa de 27 anos, que descobriu ter hanseníase em 2007 e fazia o uso do remédio para tratamento das dores provocadas pela doença.
Segundo relatório que o Estado teve acesso, a mãe da menina não aderia ao tratamento corretamente e fazia o uso indiscriminado do medicamento. Além disso, tentou por várias vezes pegar a medicação no posto de saúde sem apresentar receita, mas não conseguiu. No prontuário dela consta que duas médicas negaram a prescrição da talidomida porque a moça ainda podia ter filhos e não tinha feito a operação de ligação das trompas.
A medicação não saiu do posto de saúde, mas foi obtida diretamente na prefeitura da cidade pelo pai da menina, sem apresentação de receita médica. Até então, aparentemente, a mulher não sabia que estava grávida.
O pai da criança, Walteir Pinheiro Santos, diz que não foi orientado por ninguém sobre os riscos do uso da talidomida na gravidez. Mas, no relatório, consta que a mulher assinou um documento que a informava dos riscos. "Minha mulher tomava porque tinha dores horríveis e só esse remédio passava", diz.
De acordo com ele, só no terceiro mês de gravidez é que eles souberam que a criança poderia nascer sem braços e sem pernas. "Paramos o uso do remédio. Paguei um ultrassom e foi aí que vimos que a menina tinha cabeça e corpo, mas não tinha braços e só um tinha um toquinho das pernas. Foi muito triste."
O casal, que é evangélico, cogitou um aborto, mas desistiu da ideia após conversar com o pastor.
Doze anos depois. O outro caso é o de um menino de 12 anos, que nasceu sem os dois braços e com as pernas deformadas. Ele foi diagnosticado por acaso quando a equipe da geneticista Lavínia Faccini, do Instituto Nacional de Genética Médica Populacional, vinculado à Universidade Federal do Rio Grande do Sul, fazia os exames na criança recém-nascida de Cajari.
Lavínia diz que, depois desses novos casos, o Estado deve iniciar uma busca ativa para identificar outras crianças que possam ter sido vítimas da medicação e não terem sido diagnosticadas ainda.
Para ela, o Maranhão está sofrendo uma epidemia de casos. "É uma epidemia, porque o índice era para ser zero. Não dá para admitir que crianças continuem nascendo com deformidades físicas por causa desse remédio", diz Lavínia.
Cláudia Marques Maximino, presidente da Associação Brasileira dos Portadores da Síndrome da Talidomida, fez uma representação no Ministério Público Federal pedindo providências. "Fiquei completamente atordoada quando soube desses casos. Esse é um retrato da banalização do uso da talidomida", disse.
O Ministério da Saúde informou em nota que, assim que soube do caso, acionou o Estado do Maranhão, a Anvisa e geneticistas para acompanhamento do caso. A reportagem do Estado não conseguiu falar na Prefeitura de Cajari porque não há telefone no local.
PARA ENTENDER
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) anunciou anteontem que exercerá controle mais rígido sobre a prescrição e o descarte da talidomida. Em reunião da diretoria, a agência aprovou resolução que aumenta o controle sobre o uso da substância e promove o uso seguro para evitar o nascimento de crianças com deficiências. A norma, a ser publicada no Diário Oficial da União, entrará em vigor após 90 dias. As reações adversas decorrentes do uso da talidomida deverão ser obrigatoriamente notificadas e os folhetos explicativos para médicos virão com a imagem de uma criança vítima da doença.
Fernanda Bassette - O Estado de S.Paulo
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