Os danos provocados pelo glaucoma, principal causa de cegueira irreversível no País, não se limitam aos olhos, como os médicos acreditavam até o momento. As regiões do cérebro relacionadas à visão também são afetadas pela doença, segundo uma pesquisa coordenada pelo Hospital Israelita Albert Einstein em parceria com a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e com a Universidade de São Paulo (USP).
Os resultados foram apresentados no início deste mês no Encontro da Association for Research in Vision and Ophthalmology (Arvo), nos Estados Unidos, e obtidos com exclusividade pelo Jornal da Tarde. A descoberta mostra que a doença é mais complexa do que supunham os médicos e apresenta novos desafios às pesquisas de tratamento.
O oftalmologista Augusto Paranhos, um dos coordenadores do estudo, explica que à luz dos novos dados não adianta pensar, por exemplo, em estratégias de tratamento com células-tronco ou relacionadas à neuroproteção que atuem apenas no olho. “Assim, pode ser que não adiante colocar um chip na retina, ou uma célula-tronco.
Mesmo que ela se transformasse em uma célula ganglionar retiniana (que é a célula que morre quando a pessoa tem glaucoma), o tratamento não seria efetivo, pois outras porções da via óptica estariam lesadas.”
Acreditava-se que somente o nervo óptico era atingido pela doença, que geralmente vem associada à pressão intraocular elevada (mas também pode ocorrer quando a pressão é normal). A forma mais comum do glaucoma surge quando o olho tem dificuldade em escoar um líquido que é produzido continuamente atrás da íris.
Como esse líquido não consegue ser totalmente absorvido, a pressão no interior do olho aumenta. “Com a pressão aumentada, as estruturas internas são lesadas, principalmente o nervo óptico”, explica a oftalmologista Daniela Fairbanks, do Hospital São Luiz. “É como uma bola de futebol que vai enchendo. Se ela tem uma parte mais fina, essa parte vai abaular. É assim com o nervo óptico.”
Quando o nervo óptico é afetado, os estímulos visuais falham e o paciente começa a perder o campo visual. O que a pesquisa descobriu é que as mortes celulares continuam ocorrendo, como em uma reação em cadeia, chegando até o córtex visual – área do cérebro responsável pela visão. Essa região cerebral diminui de volume e passa a responder aos estímulos de maneira deficitária em relação a um cérebro saudável.
Na pesquisa coordenada pelo Einstein, essa constatação foi feita pela observação do cérebro de 20 pacientes por meio de uma ressonância magnética de três tesla (equipamento mais potente do que aquele comumente usado em diagnósticos por imagem).
Durante esses exames, foram observados dois aspectos: o volume do córtex visual e a resposta dessa região cerebral a estímulos visuais específicos. Nos dois aspectos, foram encontradas alterações significativas em relação ao cérebro do paciente que não tem glaucoma. Depois dos resultados, os pesquisadores pretendem aumentar o número de casos analisados para 80 pacientes.
Paranhos conta que a parceria entre as instituições começou por causa da intenção comum dos pesquisadores do Albert Einstein, do Departamento de Oftalmologia da Unifesp e do Laboratório de Psicofísica do Instituto de Psicologia da USP de pesquisar o efeito do glaucoma no cérebro, que já tinha sido sugerido anteriormente em estudos com cadáveres – que constataram a diminuição do córtex visual em pacientes com a doença.
O projeto de pesquisa foi feito em conjunto e está sendo financiado pela Fapesp. De acordo com a Sociedade Brasileira de Glaucoma, a doença acomete cerca de 2% das pessoas com mais de 40 anos e tende a ser mais frequente conforme o avanço da idade.
MARIANA LENHARO
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